Novo modelo fiscalizatório e uma possível alternativa
- Bruno Marcelos
- 14 de fev.
- 7 min de leitura
Está em aberto o prazo para contribuições a consulta pública para o aprimoramento do modelo fiscalizatório adotado pela ANS. O novo modelo proposto terá elevado impacto regulatório, e este parece ser o momento mais oportuno para uma reflexão sobre as possíveis escolhas.
Para a compreensão da possível alternativa indicada, passamos por um breve resumo da nota técnica, seguimos para a uma reflexão objetiva sobre o atual cenário regulatório recentemente alterado pela RN 623/24 e ao final apresentamos de forma justificada uma quinta proposta.
1 – Dados e Elementos da Consulta Pública 147
Conforme nota técnica e Avaliação de Impacto Regulatório – AIR, é necessária a alteração do modelo atual de fiscalização, a fim de obrigar as operadoras a atuarem de forma mais eficiente quanto ao recebimento de reclamações dos beneficiários.
Segundo registro da Agência, houve um implemento significativo do número de NIPS nos últimos anos, sem que as Operadoras tivessem tomado as providências necessárias ao seu saneamento, utilizando-se da NIP como um “mais um canal de ouvidoria” das Operadoras.
Para este fim, a Agência utilizou-se da metodologia de Analytical Hierarchical Process (AHP) que avalia alternativas com base em critérios ponderados. Tal modelo, é um dos indicados pela OCDE para fins de avaliação do resultado regulatório. O modelo aponta para 12 critérios presentes no OECD Regulatory Enforcement and Inspections toolkit, apesar de ser esta a recomendação do 2º Fórum das Agências Reguladoras Nacionais, a ANS compreendeu que haveria a necessidade de customizar os critérios previstos pela OCDE as realidades do setor de saúde suplementar.
Com esta fundamentação, foram realizados cinco critérios para comparação: 1) Correção da assimetria de informação do beneficiário com a Operadora; 2) Foco no resultado; 3) Concorrência. 4) Custo regulatório; 5) Custo administrativo da ANS. A partir da escolha destes critérios a ANS procedeu com a valoração de cada item de forma discricionária, fixando o peso de cada item na avaliação, conforme tabela extraída da Nota Técnica.

Feito este exercício regulatório, foram avaliados quatro cenários: 1) a manutenção do modelo atual; 2) ações exclusivamente planejadas, sem análise individual de casos não resolvidos; 3) modelo atual apenas com o aumento das multas pecuniárias; e 4) modelo híbrido – avaliação parcial das demandas individuais somadas a ações planejadas.
Baseado nos critérios de avaliação mencionados, a ANS indicou que o modelo híbrido (4) atenderia aos fins regulatórios propugnados na revisão do modelo de fiscalização. O indicado modelo compreende que a ação fiscalizatória individual não pode ser cessada, especialmente diante do elevado índice de resolutividade das demandas, no entanto, diante da falta de orçamento suficiente da agência para avaliação de todas as demandas a contento, será necessário que parte das demandas componha um programa de Ações Planejadas, contemplando com isto, parte do volume de demandas apresentado a agência, e que deixariam de ter sua avaliação de forma individual.
2 – Reflexão objetiva sobre o cenário regulatório atual
Feito o resumo objetivo da Consulta Pública 147, são necessárias algumas reflexões considerando pontos indicados na nota técnica e o cenário regulatório recentemente modificado pela RN ANS 623/24 (Dispõe sobre as regras a serem observadas pelas Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde e Administradoras de Benefícios nas solicitações de procedimentos ou serviços de cobertura assistencial apresentados pelos beneficiários, bem como não assistenciais, em qualquer modalidade de contratação).
A indicada norma, que entrará em vigor em 01/7/2025 e que substitui a RN ANS 395/16, altera sensivelmente o cenário regulatório, especialmente quanto aos prazos do Art. 12 que fixam prazos para efetiva resposta de autorizações de cobertura, e alguns prazos inferiores ao da RN 566/22 (veja-se os Art.s 3º inc. XII e XIII), registrando a inclusão de multa regulatória, e ainda, mudanças no Art. 33 da RN ANS 483/22, que impactam no aumento de multas regulatórias para operadoras que não cumpram ou não se esforcem para cumprir metas de redução no IGR.
Note que a meta da norma é exatamente garantir a redução no número de reclamações que chegam a ANS, buscando meios de regular de forma mais rigorosa e efetiva a utilização dos canais de atendimento das Operadoras, fato extremamente relevante para cenário regulatório em estudo e determinante para proposta presente no capítulo seguinte.
Prosseguindo, além da nova norma regulatória, a nota técnica aponta para o aumento da valoração das multas, tendo como fundamento a necessidade de atualização monetária do valor destes o que nunca foi promovido desde 2006, ano da edição da RN ANS 124/06. Para este fim, aplicou o índice de inflação do IPCA, o que elevará o valor das multas em 2,7 vezes seu valor atual. A título exemplificativo, uma multa de R$ 50.000,00 terá seu valor atualizado para R$ 137.000,00, demonstrando o significativo aumento da penalidade.
Este cenário, apesar de indicado em lei como possível, deve ser ponderado pelo princípio constitucional da proporcionalidade. A mesma Lei que autoriza a atualização das multas refere a necessidade de ponderação dos valores baseado exatamente no princípio da proporcionalidade. Note que, apesar das multas não terem sido atualizados no período de nove anos, a sua atualização ao longo do tempo certamente teria sido objeto de revisão diante da enorme elevação de valores.
E isto porque, é notório que o maior volume de demandas apresentadas a ANS tem ligação com agendamentos de consultas, ou problemas com guias de autorização, procedimentos administrativos que são resolvidos de forma objetiva. Tais atendimentos possuem custos que podem ser inferiores a R$ 100,00 (exames laboratoriais simples sequer custam R$ 5,00), e ainda assim, a previsão de multas é superior a R$ 100.000,00, consignando a enorme desproporção entre estes.
Adicione-se que a proposta atual tem potencial para elevar drasticamente o custo contra as operadoras de médio e pequeno porte, na medida em que estas, apesar de eventualmente não se enquadrarem nos futuros programas de fiscalização, ainda assim, estarão sujeitas ao triplo do valor das multas que já lhe são impostas.
Para a realidade das operadoras de médio e pequeno porte, as multas atuais já representam um enorme desafio, multas estas que em sua maioria são parceladas no máximo legal (sessenta vezes), a fim de não inviabilizar o fluxo de caixa das empresas. Multas estas que são aplicadas para eventos individuais e pontuais, haja visto o volume de atendimentos realizados e o atendimento da função social destas operadoras, especialmente em locais no Brasil em que há pouca ou nenhuma outra oferta de medicina privada.
Some-se a tudo isto que a NIP, mesmo com o aumento expressivo no número de queixas apresentadas a ANS, segue com sua efetividade em 90%, portanto, representando um instrumento extremamente funcional, e que não demanda maior poder coercitivo para impor as operadoras o dever de assegurar a cobertura contratual nos termos previstos na regulação.
O centro da questão é a redução do volume de reclamações apresentadas a ANS, estas que deveriam ser saneadas no âmbito das operadoras.
3 – Uma quinta proposta: O compliance regulatório
Tendo em conta que os efeitos da RN ANS 623/24 ainda não foram medidos, especialmente diante das obrigações rígidas impostas as Operadoras no novo modelo de atendimento, considerando a elevada resolutividade das NIPS e especialmente os critérios adotados pela ANS na Nota Técnica da CP 147, foram ponderados outros elementos não previstos no estudo realizado pela agência.
Para o modelo, foi considerado que a ANS não buscou outras estratégias regulatórias previstas pela OCDE e pela literatura em direito regulatório, adequando-se para a avaliação o modelo regulatório de incentivo.
O modelo de incentivo, é significativamente relevante para a regulação de mercados porque induz a adoção de boas práticas regulatórias para o atingimento de metas, saindo do convencional do da estratégia de Comando e Controle, utilizando-se dentre outras, de regra de compliance regulatório e meios de estímulo a concorrência entre os agentes regulados. O tema é bem avaliado na obra Understanding Regulation (Robert Baldwin. 2012 – P 111) não demandando maiores esclarecimentos.
Deste modo, a proposta seria criar um sistema de incentivos baseado em conformidade regulatória, considerando os parâmetros já fixados pela própria RN ANS 623/24, em que as operadoras que demonstrarem um histórico consistente de boas práticas e resolução eficiente de demandas sejam beneficiadas com menores exigências burocráticas ou incentivos financeiros, com redução das multas. Esse modelo incluiria:
Certificação de Boas Práticas: Um selo de conformidade que destaque operadoras com altos índices de resolutividade e baixo volume de infrações, elemento este que fortalece a concorrência entre as Operadoras.
Menor Frequência de Fiscalizações: Operadoras bem avaliadas poderiam ser fiscalizadas com menor frequência, reduzindo custos administrativos tanto para elas quanto para a agência.
Redução Proporcional de Penalidades: Para operadoras que implementarem planos de melhoria contínua validados, poderia haver descontos progressivos em multas futuras, desde que não haja reincidência.
Avaliação de Resultado Regulatório: Pode ser programada a Avaliação de Resultado Regulatório – ARR para o período de três anos, a ser realizada em conjunto com a RN ANS 623/24, incluindo-se o monitoramento durante o período.
Esse modelo se alinha ao conceito de fiscalização responsiva já discutido no documento e pode ser um caminho eficaz para equilibrar o enforcement regulatório sem a necessidade de apenas aumentar o valor das multas.
Para a avaliação deste modelo, foram utilizados exatamente os mesmos critérios utilizados na nota técnica da CP 147 e o resultado pode ser verificado no quadro a seguir:
Comparação entre as alternativas incluindo a proposta 5 (compliance)


O modelo de Compliance Regulatório apresenta melhor desempenho nos critérios de foco no resultado, concorrência e custo regulatório, equilibrando incentivos e enforcement regulatório sem aumentar drasticamente as penalidades. O modelo se destaca na frente do Modelo Híbrido, que foi a melhor opção prevista na nota técnica, e oferece vantagens adicionais ao reduzir custos administrativos e incentivar práticas voluntárias.
A proposta de alternativa regulatória ultrapassa a proposta presente na nota técnica (modelo híbrido), apresentando-se como uma alternativa regulatória mais bem avaliada conforme termos dos critérios presentes na AIR, possuindo por isto, enorme potencial para gerar solução as falhas de mercado presentes no estudo realizado pela agência.
Adicione-se que uma medida de incentivos pode ser mais bem recebida pelo mercado regulado, reverberando de forma mais positiva também com os prestadores de consumidores, que buscarão se relacionar com as empresas que possuam melhores classificações no ranking de operadoras certificadas.
Com essa mesma proposta agência quebraria o ciclo convencional de governos e outras agências que buscam a regulação de mercados por meio do uso do Comando e Controle e da rigidez na imposição de penalidades, modernizando a regulação as metas e diretrizes da OCDE quanto ao equilíbrio na fiscalização e enforcement regulatório, sem, no entanto, deixar de monitorar e intervir para assegurar o cumprimento da regulação. E ainda, adequando a regulação Lei liberdade econômica permitindo que os mercados de ajustem as diretrizes da política regulatória, antes de impor normas mais severas que mitigam ou acrescentam custos a atividade, e por conseguinte, aos consumidores.
A presente contribuição é realizada pelo Escritório de Advocacia Bruno Marcelos, não representando a opinião, posição ou concordância de seus clientes e parceiros.
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